
Propósito
Um dos traços característicos do nosso tempo consiste na falsificação da linguagem, traduzindo o uso abusivo de determinadas palavras ou conceitos com sentidos diferentes do verdadeiro. Em suma, as palavras e os conceitos são aplicados a coisas às quais não convêm de forma nenhuma, gerando a confusão mental reinante.
Um exemplo paradigmático cifra-se na utilização a torto e a direito do termo Tradição com sentido alheio àquele permitido pela sua semântica, como no caso do episódio da tourada de Barrancos.
Ora, aludindo a crenças ou práticas de povos e comunidades, como ocorre nessa circunstância, o termo aplicável seria folclore no sentido de usos e costumes tradicionalistas ou, com maior propriedade, tradicionalismo.
Com efeito, a Tradição, pelo menos na perspectiva que adoptamos, é de origem supra-humana ou metafísica. E se não é clara a fonte dela hoje, tal é uma consequência da sua ocultação pelas vicissitudes da História e do império todo poderoso da quantidade sobre a qualidade ou, por outras palavras, do profano sobre o sagrado.
O que se entende, então, por Tradição?
O direito romano usou o vocábulo traditio (de tradere) com o sentido de transmissão de um objecto, de alguém com a intenção de o alienar a outrém, com a intenção de o adquirir (traditio clavium; traditio puellae; etc).
A Igreja Católica continuaria ainda a referir-se à Revelação como Traditio Symboli, conferindo, contudo, do ponto de vista dogmático, maior valor à catequese ou Redditio Symboli, sinónima da evangelização (na linguagem actual) em consequência da qual os Sacramentos são transmitidos por intermédio de alguém que já os recebeu de outrém.
Na verdade, nenhuma destas duas formulações identifica Tradição com arcano iniciático.
Nesta acepção particular, que perfilhamos, a Tradição reporta-se a um depósito do sagrado susceptível de Revelação (comunicação de um mistério divino ou ensinamento sagrado). O conteúdo de um tal testemunho (o “id quod traditum est” ou “id quod traditur” dos Padres da Igreja) pode compreender mitos (mistério divino), palavras, gestos, regras de conduta, etc., mas igualmente comportar realidades monumentais (instituições e escritos) com uma existência objectiva independente do sujeito activo da Revelação. Note-se que, apesar de tudo, essa existência objectiva será manifestamente insuficiente para esclarecer o valor da Tradição.
Somos, efectivamente, adeptos do perenialismo, embora não de uma forma estritamente guenoniana, uma vez que a Tradição primordial, essa influência formadora tão consubstancial ao espírito quanto a hereditariedade ao corpo, sendo imutável quanto à forma, qualidade ou eidos, adopta para se revelar (re+velar) géneros, espécies, modalidades e diferenças específicas, em função dos distintos tempos e lugares.
De facto, a Tradição não é um capital estéril, mecanicamente conservado: ela conhece desenvolvimentos e amplificações mediante as quais se enriquece e fortalece “a partir de dentro”, resistindo, vá-se lá saber como, às tentativas de interferência e de aditamentos humanos ou Redditio Symboli.
É assim que a aludida tensão entre Tradição e Revelação pode exprimir-se pela relação entre o mesmo (identidade: estado do que não muda, permanecendo sempre igual a si mesmo) e o próprio (propriedade ou património que pertence exclusivamente a um dado indivíduo, comunidade ou espécie e a eles somente).
Enfim, enquanto o próprio (ou a Revelação) não passa de um acto solitário e, por sua natureza, incomunicável, já o mesmo (ou Tradição), consubstanciando um acto de comunhão e interdependência, poderá tornar-se, se assistido pela Revelação, a encarnação da Suma Identidade.
O propósito do projecto que ora se submete, fundado nos pressupostos supra, e cujo fecho arquitectónico é o denominado lema da tripeça, transversal a toda a cultura e história nacionais, acarinhará superlativamente a língua portuguesa, a qual, mercê dos respectivos dotes semânticos e singulares virtualidades representativas (eco das ontológicas), constituirá o tempo e o modo des-veladores da cosmovisão visada, embasada nos seguintes axiomas:
Território emergente da Tradição primordial, essa influência formadora tão consubstancial ao espírito quanto a hereditariedade ao corpo.
Posto na exacta confluência do ocidente como novo oriente.
Atento ao primado da reintegração dos seres como via para a redenção humana e desta como corolário da transmutação da natureza.
Presságio do advento de um ecumenismo sustentável.
Alternativa às certezas da cultura do efémero e movimento em direcção a um erro cada vez menor.
O luso horizonte por visão e norte.
No pressuposto de que só a estética da imaginação garante ao gesto a condição de arte.
A cada um dos módulos da tripeça corresponderá um número indeterminado de seminários itinerantes
I
DO SER
Dimensão imaginal e antropologia do imaginário: consciência e máscara
Oração
Sinestesia
Coreografias sagradas
Noética e prática do símbolo
Iconologia da Iniciação
Teleologia e Religião
Da Arte da Memória
Mito e Metafísica
Teogonia e História enquanto revelação
II
DO ESTAR
Da Língua enquanto representação: cultura, Tradição, identidade, património
Geografia e arqueologia siderais
Geomância e Arqueoastronomia
Natureza e Ambiente
Anatomia e Fisiologia da Consciência
Hermetismo
Iatromedicinas
Sistemas divinatórios
Jogos criativos
III
DA SAUDADE
Genialidade e Anjos Custódios: vertigem e presença
Templo e Templarismo
Profética Lusa e Hermenêuticas do Quinto Império
VISITAS DE ESTUDO
CELEBRAÇÕES e EFEMÉRIDES
SEMINÁRIOS TEMÁTICOS DESCENTRALIZADOS
JANTARES- TERTÚLIA
